quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Financeirização e transição do mercado imobiliário brasileiro



A onda de despejos que marcou a crise financeira mundial, que teve seu ápice em 2008, atingiu mais de 4,5 milhões de famílias e deixou bairros inteiros praticamente abandonados nas cidades dos EUA. A crise evidenciou a extensão dos vínculos entre o imobiliário e o financeiro, intensificados nos anos 1980 em diversos países. No Brasil, o fenômeno da “financeirização imobiliária” é marcado por dois momentos decisivos: em 1997 com a criação do Sistema Financeiro Imobiliário (governo FHC) e, a partir de meados dos anos 2000, com a abertura do capital das empresas da construção civil na Bolsa de Valores. Um dos resultados desse processo tem sido o boom imobiliário brasileiro, com a hipótese de vinculação de um programa de cunho social (MCMV) aos interesses da iniciativa privada nacional no pós-crise.

O INCT Observatório das Metrópoles vem investigando a dinâmica do capital imobiliário brasileiro a fim de compreender a conformação dos territórios urbanos via políticas de moradia e, sobretudo, defender o papel da habitação social neste debate. Atualmente, o déficit habitacional do país é em torno de 5,5 milhões de moradias e de 15 milhões de domicílios urbanos destituídos das condições mínimas de habitabilidade. É diante desta realidade que a universalização do acesso à moradia e a terra urbana, bem como aos equipamentos e bens necessários à reprodução social, tem relação direta e complementar com a consolidação da chamada sustentabilidade urbana e ao desenvolvimento mais justo e igualitário para o Brasil.

No entanto, o que tem acontecido na última década no Brasil em relação às políticas públicas de habitação? E qual o papel do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) na retomada da política habitacional? Função social ou suporte para a reestruturação e expansão do setor imobiliário no País?

Financeirização imobiliária no Brasil: MCMV

A pesquisadora Thêmis Amorim Aragão, do GT Moradia núcleo Rio do INCT Observatório das Metrópoles, vem investigando o fenômeno da financeirização imobiliária no Brasil na sua tese de doutoramento “Habitação: entre o social e o econômico. Resultantes territoriais”, no âmbito do Programa de Pós-Graduação do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR/UFRJ), sob a orientação do Prf. Adauto Lúcio Cardoso. Segundo ela, o setor imobiliário brasileiro durante a década de 1990 busca novos mecanismos para o financiamento imobiliário no país, que resulta na criação do Sistema Financeiro Imobiliário (SFI), em 1997. “Vemos nesse momento a influência do modelo norte-americano de securitização e de captação de recursos através da criação de um mercado secundário de títulos – que geraram mecanismos de suporte à financeirização das atividades do setor imobiliário. Este movimento foi inicialmente marcado pela criação de regras que estabeleciam garantias em ativos imobiliários de forma a estruturar um ambiente de confiabilidade para investimentos”, afirma.

Thêmis Amorim Aragão explica que, de acordo com as pesquisas de Botelho (2007) e Fix (2001), o SFI não teve grandes impactos sobre a produção imobiliária e muito menos sobre o setor de produção de moradias, firmando-se, no entanto, paulatinamente, como um instrumento eficaz para a promoção de grandes empreendimentos comerciais ou de serviços, como shoppings, resorts e edifícios corporativos.

A partir de 2005, o setor imobiliário iniciou novo processo de reestruturação promovida através da estratégia de abertura do capital das empresas da construção civil na Bolsa de Valores, lastreando seus papéis em estoques de terra e lançamentos imobiliários futuros. “Esse momento é caracterizado como uma outra forma do processo de financeirização do setor no País. E é sobre esse processo de abertura do capital das empresas de construção civil e as relações que decorreram daí que vamos investigar”.

A pesquisadora afirma que, em 2008, com a explosão da crise financeira dos EUA gerada pelo setor imobiliário, houve recuo dos investimentos no mercado de capitais afetando as projeções financeiras de diversas companhias brasileiras da indústria da construção civil. É nesse contexto que o governo federal lança o Minha Casa Minha Vida, o qual constituiu um programa de crédito à produção e ao consumo de habitação destinado a famílias com renda de até 10 salários mínimos.

O contexto econômico mundial de 2008-2009 fez com que o governo brasileiro buscasse adotar políticas neokeneysianas para sustentação da trajetória de crescimento econômico que o país estava inserido. “A nossa hipótese é que a construção civil, como setor que mais possui efeitos econômicos multiplicadores de investimentos, foi o meio escolhido para aquecer a economia. Mais do que isso: a urgência em ativar o setor foi combinada com a ameaça enfrentada pelas empresas da construção civil com capital aberto na Bolsa de Valores que precisavam de medidas macroeconômicas para retificar a credibilidade de seus papéis. Desta forma, dentre as várias justificativas para a criação do PMCMV (dentre elas a justificativa social), um programa de crédito à produção acoplado ao crédito garantido aos compradores também se adequaria aos interesses do setor produtivo visto que asseguraria menor risco aos investidores”, defende a pesquisadora.

Mediado pelo Ministério da Casa Civil, a partir de proposta apresentada por setores da indústria da construção, a estrutura do programa foi montada visando a promoção de unidades habitacionais através da iniciativa privada, tendo como um dos agentes de implementação do programa a Caixa Econômica Federal, gestora das principais fontes de financiamento habitacional.

O PMCMV se propunha a liberar crédito para a construção de 1 milhão de unidades habitacionais em todo o país. O financiamento ao consumidor foi desagregado para três faixas de renda: de 0 a 3, de 3 a 6 e de 6 a 10 salários mínimos. Cada faixa possui um limite de financiamento que recebe valores diferenciados a considerar a localização da unidade habitacional: se é situada na capital de Estados, integrante de Região Metropolitana ou demais municípios. Para os beneficiários que possuíssem renda até 6 salários mínimos haveria ainda o subsídio governamental que atinge o valor máximo de R$ 23.000,00 (vinte e três mil reais) a depender da renda, com subsídio integral para as faixas de 0-3 SM.

Thêmis aponta que a estratégia de anunciar a meta de 1 milhão de unidades, causou uma corrida natural das empresas construtoras que buscaram atuar no nicho econômico devido a facilidade de crédito. “Esta competição gerou certa escassez de insumos e mão de obra, refletindo numa alta de preços no mercado”, avalia Thêmis.

“Apesar de o Programa Minha Casa Minha Vida se restringir a famílias com renda até 10 salários mínimos, a liberação de crédito entre os anos de 2009 e 2012 surtiu grande efeito no cenário da construção civil. A facilidade do crédito impulsionou e consolidou as tendências de restruturação do setor produtivo que lança mão de vários mecanismos como: ampliação geográfica da produção, realização de joint ventures com construtoras locais, padronização de projetos e implementação de sistemas de controle de obras e estoque. Este movimento é percebido principalmente entre estas construtoras que buscaram abrir capital a partir de 2005”.

“Agora estamos realizando pesquisa referente ao perfil das construtoras que produziram para o Programa MCMV-1 no Estado do Rio de Janeiro com o objetivo de verificar a hipótese de que o programa beneficia principalmente as empresas com capital aberto, entre outras razões, para dar sustentação ao processo de reestruturação do setor imobiliário. Ou seja, queremos saber quais empresas participam da execução do programa, se existe concentração de contratos, entre outras questões”.

Fonte : www.observatoriodasmetropoles.ne

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